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caderno amarelo

24
Nov24

O mundo está barulhento

Ou sempre foi. Mas o ruído agora entra-nos directamente em casa, ou vai connosco para todos os lugares. É triste ver o que as redes sociais se tornaram. Autênticos campos de batalha, onde o ódio gratuito impera. Com muita ênfase no gratuito.
De repente, parece que toda a gente sabe tudo sobre tudo, que todos são activistas de alguma coisa, que todos são moralmente superiores. E qualquer coisa é motivo para alguma mensagem de ódio, para algum comentário xenófobo ou sexista. E todos, sem perceber, vão perdendo a razão. Se é que podemos afirmar que há razão em quem gasta energia com isto.
Já só tenho uma rede social, e mesmo assim, é impossível fugir a esta triste realidade. Mesmo com um algoritmo treinado para só me aparecerem animais fofos, de vez em quando, lá apanho uma coisa absurda ali pelo meio. E abrir a caixa de comentários é um convite a assistir a coisas horríveis (e o que há de surpreendente nisto, se nem as caixas de comentários de blogs pessoais que são sobre coisa nenhuma, escapam ao ódio?). Pois se isto é agora o mundo, então eu não quero fazer parte dele. Penso em como as coisas eram há uns anos. Certamente não eram melhores, e o ódio existia, mas eu não estava ciente dele, estava na ignorância e na inocência. Digo a mim própria que isto não é a realidade, e que só é realidade para quem quer fazer parte dela. Sábios são os que não têm redes sociais, e não perdem um minuto do seu dia com coisas absurdas. Vou pelo mesmo caminho, e acredito mesmo que será a crise de meia idade da minha geração. Desligar completamente desta loucura virtual. Fomos os primeiros a entrar, seremos os primeiros a sair. Sempre escolhi paz e sempre escolherei paz. Nem que para isso tenha de me isolar do nosso suposto mundo.

31
Out24

texto nocturno (parte II)

Levantou o tronco lentamente até ficar sentada de pernas esticadas, e levou as mãos à face, afastando-as de imediato. A pele escaldava, como se já estivesse num estado febril. Logo ela que nunca fazia febre. Tomou mais uma decisão. Afinal aquilo teria de acabar ou não. E era assim que as próximas horas se lhe apresentavam, quando ganhou coragem de as projectar no horizonte. Chegou os joelhos ao peito e voltou a fechar os olhos. Mais uma vez, não conseguiria dizer quanto tempo passou antes de se levantar e dirigir à pequena mesa. Pegou no caderno e antes de o abrir, respirou fundo. Pensou em todas aquelas páginas. Não existiriam se não as folheasse. Mas existiam, assim como toda aquela história existiu. Como poderia ela um dia, explicar todas as linhas que escrevera? Ainda estavam frescas na memória mas não seria capaz de as escrever de novo. Elas teriam de ali estar. E teriam um fim, com as suas vírgulas e os seus pontos finais.
Respirou de novo, fechou os olhos e abriu o caderno. Quando tomou consciência do seu acto, soube que não poderia voltar atrás. Abriu os olhos e viu duas páginas brancas. Virou a página. Em branco. Folheou lentamente, enquanto o coração desacelarava e a mente se apagava. Nenhuma tinta alguma vez existira ali. Se palavras alguma vez ali tinham estado, deveriam ter sido trancadas num outro universo de onde não voltariam mais. Folheou mais rápido, com o vazio que se ia apresentando ao mesmo ritmo. Parou. Reconheceu aquela que seria a página cinquenta e quatro. Em branco. Recomeçou a folhear do início, e as páginas correram sem abrandar, até chegar à última. E ali estava. De novo. Aquela maldita frase. A única que nunca escrevera. E nada mais aqueles minutos lhe haviam acrescentado.

"Um fim sem recomeço. "

 

28
Out24

texto nocturno (parte I)

Era o ponto do declínio.
O corpo a pedir para se desintegrar. A mente que ali estava, ardia, pesava. A alma flutuou naquele espaço de tempo. Quanto tempo tinha passado? Nem um segundo que pudesse contar no seu relógio. Forçou-se a si mesma contra o chão frio enquanto sentia, e sentia ainda mais. Olhos fechados. O lábios formavam linhas desiguais. As mãos tentavam descansar. E nada podia mais fazer senão sentir. Desejou não ter sensações mas nunca sentira tanto como naquele momento. A contradição visitara-a sempre desta forma.
Respirava calmamente enquanto a frustração lhe ia subindo à garganta. Levantou a cabeça e olhou o caderno pousado na mesa de cedro. Quantas vezes abrira aquele caderno? Quantas vezes lera aquela frase? Continuava sem saber se ainda estava lá escrito. A angústia acumulou-se ainda mais quando voltou a fechar os olhos. A tentação de se levantar e abrir de novo aquele caderno ondulava-se-lhe no sangue e palpitava-lhe nos mãos.
Pensou nas palavras que lhe tinham dito nas últimas horas, tentou desenhar os olhares na escuridão, delineou as faces. Não se atreveu a pensar nas horas que se seguiriam. O seu mundo encerrado numa bolha que dependia daquelas páginas para rebentar. Abriu os olhos e fitou de novo o tecto. Ali estava a mancha da cor de uma casca de ovo. Por um momento, a sua mente esvaziou-se, enquanto traçava as formas e sombras daquele ponto. Tremeu. Conseguia ver a forma de um hexágono, os ângulos quase perfeitos. Os olhos giraram em círculo enquanto ordenou cuidadosamente todos os pontos em que aquele absurdo geométrico terminava. Viu a cor desvanecer. Abriu a boca e soltou um ruído enquanto a memória afiada lhe despertou o cérebro. De novo, o mesmo ritmo de pensamentos. Pensou em quantas frases escrevera sem colocar um ponto final e a sua mente voltou de novo àquele caderno. Porque não? Porque não teria mudado tudo no entretanto? Apenas bastava espreitar de novo. Queria fazê-lo, mesmo sabendo que se tudo fora igual, a sensação que não podia chamar de dor voltaria ainda mais forte.

22
Set24

Voltar à faculdade com trinta e muitos

Voltar à faculdade dezasseis anos depois do meu primeiro diploma é uma experiência em tudo diferente, e em tudo igual à primeira vez.
Foi ver como a tecnologia tomou conta de todo o processo, o que reduz o contacto humano, mas nos facilita muito mais a vida. Fiz a candidatura e a matrícula sem nunca pôr os pés no estabelecimento. Foi estranho, mas prático. E agora, aqui estou, já com uma semana de aulas em cima, já com o meu cartão de estudante e a factura da primeira propina, sem sequer saber ao certo onde ficam os Serviços Académicos.
Foi mentalizar-me que seria a mais velha da turma, para depois me surpreender com a variedade de faixas etárias que se sentaram na sala de aulas. Tenho colegas dos 21 aos 65, e isto é incrível.
Foi sentir o nervosismo do primeiro dia de aulas, rumo a todo um mundo desconhecido, desde o edifício, até aos professores, passando, claro, pelos novos colegas.
Foi o êxtase de voltar a comprar cadernos e organizar tudo por disciplinas.
Foi a chatice de ter de gastar dinheiro em livros técnicos que não voltarei a ler depois de fazer a cadeira (até ver).
Foi a alegria de ver como a biblioteca é fantástica e ali posso passar muitas horas produtivas (e requisitar livros para não gastar mais dinheiro em livros técnicos).
Foi queimar tempo entre aulas, tendo longas conversas com os novos colegas na cafetaria, partilhando as nossas motivações e receios, explorando o edifício, e analisando as ementas da cantina, sabendo que vamos ter muitos dias para provar os mais variados pratos.
Foi sentirmo-nos já assoberbados com a quantidade de trabalhos que temos para fazer.
Foi sair da faculdade já de noite, cheia de fome, com a chuva a cair-me no cabelo.
Tão diferente, tão igual.


12
Set24

Regresso

Setembro chegou enfim, e se a alguns traz caos, a outros traz a calma. O ar corre frio nas noites pacatas dos bairros em que as famílias estão já de persianas fechadas dentro das suas casas. Alguns ainda choram pelo verão, outros sorriem com o que verão daqui para frente. Setembro é um mês assim, que não agrada a toda a gente.
Não quis rimar, mas se calhar quis. Isto é capaz de ter ficado meio piroso. De qualquer forma, são poucas palavras as que trago hoje, mas queria marcar a chegada do mês de Setembro. Pois é, o regresso à rotina e à normalidade, se é que se pode usar esta palavra. Ainda é verão, mas é como se não fosse, tirando para quem só agora vai de férias. Mas a maioria regressa agora a casa, ao trabalho, à escola, aos horários e às obrigações. Os que têm a mania que são organizados têm um grande fraquinho por este mês. Tipo eu. Mas eu tenho mais que muitas razões. E não é porque odeio o verão. Eu adoro o verão, mas bolas, o verão cansa. E com as temperaturas quase nos quarenta graus, pergunto-me muitas vezes se estou a viver ou somente a tentar sobreviver. Penso que é mais a segunda hipótese. Há uns dias li uma frase atribuída à pintora Georgia O'Keeffe: "I have done nothing all summer but wait for myself to be myself again."  Foi uma daquelas frases que me fez parar um momento, respirar fundo, e dizer: é isto. É precisamente isto.
Setembro, meu Setembro, mês de regressos. Nem que seja apenas o regresso a nós mesmos. E aos blogs, vá.

21
Ago24

Tudo o que eu vou fazer é nada

Sempre ouvi dizer que às vezes precisamos de dar um passo atrás para poder dar dois para a frente. Na vida, vamos aprendendo que tudo é cíclico, e que quando um ciclo se fecha, é preciso recuar para poder abrir um novo. Isto pode ser o fim de uma relação, o fim de um projecto pessoal, o desemprego ou qualquer outra grande mudança nas nossas vidas. Por vezes não precisa de ser nenhum grande factor externo, basta o turbilhão que se gera dentro de nós mesmos, resultado de muitos pequenos factores externos. E é nesses períodos em que sentimos um grande vazio e uma confusão de ideias que precisamos deixar que o nada aconteça. Porque enquanto esse nada durar, estamos a preparar a próxima viragem. E todos os ciclos da vida precisam dessa preparação, de estar a ferver em lume brando. Nada tem de ser já. E atravessar este pequeno atalho que liga uma estrada à outra parece por vezes, o caminho mais longo que percorremos. Deixamos que as preocupações e a ansiedade tomem conta dos nossos pensamentos, na altura em que não deveríamos, de facto, preocuparmo-nos com nada.
Às vezes temos de parar e ficar de fora. Às vezes o que é preciso mesmo, é não fazer nada.
Mas não fazer nada torna-se mais difícil do que pensamos. Mesmo quando o nosso corpo sucumbe ao ócio, a nossa cabeça viaja por um milhão de lugares. Se sabemos descansar o nosso corpo, também conseguimos descansar a nossa mente. Teimosia contra teimosia. No fim, o mais teimoso ganha. A nossa cabeça vai teimar em nos complicar a vida, em nos encher a lista de prioridades e de coisas para fazer, mas nós podemos teimar mais ainda, apenas deixando cair as armas.
Já que é para recomeçar, que tal deixar ser e ir fazer aquelas coisas que até agora não caberiam na lista de prioridades? Todas as coisas que queremos fazer e que achamos um nada, são as coisas que mudam o nosso futuro e voltam a juntar as peças que nos faltam. Que tal uma caminhada sem destino? Que tal ir visitar aquele sítio bonito pelo qual tantas vezes passámos e ignorámos na correria dos dias? Que tal fazer aquele bordado, pintar aquele quadro? Que tal passar mais tempo com aqueles familiares e amigos? Que tal, simplesmente, contemplar a vida, vibrante, a passar à nossa volta? Os pequenos nadas que vamos deixando para trás, porque nos convenceram que o tempo é dinheiro e o valor vem do trabalho e das conquistas materiais.
Ficar de fora. É como olhar para um carrossel, aliciante e cheio de cores, enquanto esperamos a nossa vez de entrar, sabendo que, quando entrarmos, estaremos tão distraídos com os seus altos e baixos, que lá de dentro nunca conseguiremos ver tão bem o quão bonito é, como conseguimos ver daqui.

 

O meu muito obrigada a quem vai passando por aqui.
Até Setembro.

05
Ago24

agosto

Porque é que nos fazem acreditar que há formas mais correctas de viver a vida? E que toda a gente tem de seguir uma linha temporal com o mesmo compasso? E porque é que, na vida, não podemos tirar um intervalo se precisarmos dele e tivermos o privilégio de o poder fazer? O tempo passa depressa, é certo, mas passa de maneira diferente para toda a gente. As coisas não acontecem nas mesmas idades, nem nos mesmos lugares. A vida não é um guião de novela que alguém escreveu. Acreditar que toda a gente tem o mesmo propósito... que ideia mais cinzenta e redutora. E se acreditar que há um Deus, não hei-de eu desconfiar que não tem os mesmos planos para toda a gente? O teu conto de fadas pode não ser o meu. Ainda para mais, quando escolhi ler livros diferentes. Sussurros da juventude podem explicar as vontades do adulto. O vento sopra de maneira diferente aqui. Por vezes inquieta a alma, mas assegura que tudo virá a seu tempo, como sempre foi. O tempo da natureza, do que morre e renasce. Do que cresce na escuridão e floresce na manhã de sol. Tudo na natureza tem o seu propósito. As flores, e até nós, que temos a mania que somos sabichões e que sabemos mais do mundo do que elas.

22
Jul24

A liberdade de estarmos sozinhas

Desde cedo me habituei a fazer coisas sozinha. Os meus irmãos e primos levam-me alguns anos, e tirando as raras ocasiões em que tinha amigos da escola por casa, ou eu cirandava por casa deles, brinquei sempre sozinha. Nunca foi um problema. Inventava muitos cenários, os peluches eram as minhas cobaias. Era a professora deles, a cuidadora, a médica, a senhora da administração a quem tinham de ir pedir um papel. Não sei se foi de crescer assim nesta independência lúdica, mas sempre me senti confortável a fazer coisas sozinha. Claro que prefiro ter boa companhia por perto, mas a vida nem sempre nos proporciona horários e energias compatíveis.
Lembro-me da primeira vez que fiz uma actividade sozinha fora de casa. Foi no verão depois do nono ano, eu com os catorze anos por fazer, a minha amiga uns meses mais velha, combinámos ir ver um filme de animação ao cinema. Eu ainda não tinha telemóvel, como quase nenhuma criança na altura. Ficou tudo marcado pela rede fixa dos pais. Mas já não me lembro se foi o ponto de encontro ou a hora que falhou. Esperámos uma pela outra em duas janelas diferentes da dia. Ela foi por casa, eu decidi ir ver o filme na mesma. Ainda me lembro bem da sensação de ser muito crescida, de estar contente por estar ali sozinha. Na sala, outro grupo de pré-adolescentes, nem pareceram estranhar-me. Faltavam-lhes os preconceitos que só a vida adulta traz.
Passei metade dos meus vintes em Londres. Uma cidade de solitários felizes. Ali, ninguém se importa com a pessoa que está a jantar sozinha na mesa ao lado. Nem com a pessoa que estende uma manta no parque só para estar a relaxar na sua própria companhia. Mas por cá, as coisas ainda são um pouco diferentes, principalmente nas cidades mais pequenas. E principalmente se a pessoa que está sozinha é uma mulher. É como se despertássemos uma desconfiança nos outros. Há uns anos fui sozinha até à Covilhã, a cidade onde fiz os meus estudos universitários, e lembro-me de como as pessoas olhavam para mim com estranheza, quando entrava num tasco de petiscos ou me sentava à mesa de um café. Mas o mesmo me aconteceu no Alameda Shopping do Porto, quando me sentei sozinha com o meu jantar depois de uma matinée de cinema. Ou quando estendi a minha toalha, junto a um rio local, numa tarde de verão. Pergunto-me o que estranham as pessoas. Se será a confiança com que me apresento sozinha ou a imaginação que lhes deve encher a cabeça de assumpções.
Seja como for, cada vez vejo mais mulheres a fazer coisas sozinhas. O mundo vai avançando com as suas pequenas mudanças, e quem sabe, um dia teremos a liberdade plena de não nos tentarem adivinhar a vida. De podermos só existir em qualquer lugar. Afinal, eu sempre desconfiei de quem não gosta da sua própria companhia.

02
Jul24

Férias grandes

Todos os anos, assim que Julho se aproxima e a temperatura mais veranil começa, dou comigo a fantasiar com as férias grandes do tempo da escola. O conceito de ter dois meses ou mais, para fazer o que quiser, parece-me, agora como adulta, uma coisa tão distante, tão radical, mas tão selvaticamente tentadora. Sempre me achei o tipo de pessoa que se ia aborrecer facilmente se passasse muito tempo sem trabalhar. Obviamente, devia eu estar a pensar, porque às vezes me dá para ser tonta, que só o trabalho é que preenchia dignamente o tempo. É triste mas acontece, mais vezes do que menos, crescermos e esquecermo-nos dos nossos interesses de criança, e de como ocupávamos as tardes livres, das quais nunca nos aborrecíamos. Mesmo quando não havia telemóveis, e quase não havia internet, e certamente não havia telemóveis com internet. O verão podia ser usado para as actividades que mais gostávamos, e para aprendermos coisas novas. As escassas semanas de férias de um adulto são muitas vezes dedicadas ao turismo, como se essa fosse a nossa única forma de recreação. Não me estou a queixar, eu adoro viajar. Mas os dias são escassos, e há sempre horários a cumprir. A cabeça desanuvia mas o cansaço instala-se novamente no regresso. Tenho saudades de ter dias a fio à minha frente sem nada para fazer, e sem a obrigação de sair do sítio onde estou. E talvez seja só essa sensação que me faz falta. Por isso, quando chega esta altura do ano, gosto de imaginar que vou ter o verão todo só para mim, e que vai ser cheio de descobertas. Fantasiar ainda é de graça. E só essa sensação já me deixa alegre. Afinal, se os dias são maiores, é como se tivesse mais tempo. Por isso, já decidi. Nos próximos dois meses, assim que sair do trabalho, vou estar sempre de férias grandes.

27
Jun24

A (in)satisfação

O que vale mais nesta vida? Andar satisfeito ou ser um eterno insatisfeito? É fácil pensar que é a insatisfação que nos leva a correr atrás das coisas, que não nos deixa ficar estagnados no mesmo lugar. Mas pergunto-me se por vezes, o acto de simplesmente ficarmos satisfeitos não aumenta em muito, a nossa qualidade de vida. E nisto, quero dizer, a leveza com que levamos a vida. Porque quando as coisas não nos convencem, andamos sempre com uma nuvem em cima da cabeça, sempre muitos pensamentos abertos em múltiplas abas no cérebro, e muitas questões e questõezinhas — E se isto? E se aquilo? — E se nada? Será que realmente interessam as respostas? Começo a pensar que não. No grande todo, tudo é tão pequeno. Nós é que andamos por aqui sempre a achar que temos de ter grandes papéis na vida, mesmo que os papéis tenham sido escritos para outras pessoas. Evidentemente, é tudo uma metáfora. Porque a vida não é um filme, mas se fosse, eu gostaria que o meu fosse sobre a beleza das coisas simples. Como a passagem de O Memorial do Convento em que Saramago escreve:  "A vida podia ser apenas estar sentado na erva, segurar um malmequer e não lhe arrancar as pétalas, por serem já sabidas as respostas, ou por serem estas de tão pouca importância que descobri-las não valeria a vida de uma flor." — Na minha cabeça, forma-se uma imagem que faz mais efeito que muitos calmantes.
Honestamente nunca gostei muito da frase "correr atrás das coisas", porque para mim nunca resultou em nada de efectivamente bom. Afinal, as melhores coisas sempre arranjaram uma forma de vir ter comigo. E reconhecer isso, dá-me uma grande tranquilidade. Pois que andem insatisfeitos e sempre à procura da próxima coisa. Eu já me deixei dessa vida. A única coisa importante é nunca deixar de aprender coisas novas, e manter o coração aberto, apesar do cinismo que já nele habita. E depois, quem sabe? Se o futuro existir, alguma coisa há-de existir com ele. Mas o futuro não pode andar sempre a roubar-nos o sossego do presente, sabermo-nos aqui e reconhecermo-nos bem. A insatifação, há que tomá-la em pequenas doses. Essas doses preciosas que nos vão dando a astúcia para saber sair dos maus lugares. Depois há sempre um bom lugar para nos demorarmos, satisfeitos da vida, como uma gato refastelado ao sol.
Eu não sei quanto aos outros, mas a melhor coisa que eu fiz em muitos momentos da vida foi deixar-me estar.

 

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